terça-feira, 17 de março de 2009

A CAPA DE CHUVA

Estória que ouvi contar:
Trata-se de um recorte de jornal muito antigo em que foi narrador o sr. Mário de Moraes, sob o título “ESTÓRIAS”.
Me sentiria muito honrado se alguem que o ler, ou o próprio Mário, ou um de seus familiares, entrasse em contato comigo através deste blog, para que possa cumprimentá-lo. Jaime Xavier.
A CAPA DE CHUVA

A história é muito antiga e teve, como cenário, a bonita cidade de Salvador. Foi há muitos e muitos anos, creio eu, que houve o tal baile. Baile animado, com rapazes e moças, comemorando casamento de gente jovem e graúda.
A um canto, a linda pequena, esperando alguém que a tirasse para dançar. Roberto, estudante de medicina, viu-a e gamou de estalo. Foi até ela e perguntou-lhe docemente:
- Vamos dançar?
Ela aceitou. Dançaram uma, duas, três, uma dezena de vezes. O rapaz bailava nas nuvens. Estava com sorte, pensava. Fora àquela festa sem muita vontade, pois conhecia mal e porcamente um parente distante do noivo que por sinal, ali não aparecera. E acabara dando de cara com aquela lindeza, que agora rodava em seus braços.
Ao findar o baile, estavam namorados.
Caia uma chuvinha fina, impertinente, quando sairam e acompanhou-a à casa. Pensou em pegar condução, mas a mo­ça, que disse chamar-se Isabel, não aceitou o oferecimento:
- Não é preciso. Moro aqui perto. Além disso, iremos a pé, conversando.
- E a chuva? - perguntou ele.
-é muito fraca, não mata ninguém — pilheriou ela.
Mesmo assim, Roberto fez questão de jogar, sobre os om­bros da namorada, a sua capa de chuva.
Andaram bem uns três quarteirões, até que ela parou, apontando uma bonita casa, à frente:
- é aqui que eu moro, nº. 42.
Estiveram alguns instantes, mãos dadas, dizendo coisas bo­nitas. Ele tentou beijá-la mas ela es
quivou-se delicadamente, despedindo-se:
- Adeus, Roberto ...
- Adeus, não, Isabel - protestou o rapaz - Amanhã, se você permitir, eu virei visitá-la. As sete da noite, está bem?
- Não, será melhor não vir ...
E, antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, ela su­miu pela porta da frente. Sem dar tempo ao rapaz de apanhar a sua capa de chuva, que entrou com ela.
No dia seguinte, as sete em ponto (19 horas, se quiserem), lá estava ele) batendo àquela porta. Atendeu-o uma senhora de cabelos grisalhos, muito simpática. Informou-lhe quem era e a que viera.
- O senhor diz que veio falar com minha filha Isabel? Quando a viu?
- Ontem, no baile de casamento ...
- Tem certeza? Não terá se enganado de casa ou de nome?
- Em absoluto. Deixei-a aqui.
- Eu tenho, na verdade, uma filha, mas ela se chama Isau­ra. Um momento, por favor.
A senhora chamou e apareceu uma mocinha. Bem pareci­da, aliás, com a pequena da véspera, mas não era ela. O rapaz, agora supreendido, não sabia o que dizer:
- Olha, dona, o que eu sei é que, ontem, depois do baile, eu trouxe uma moça aqui, e ela me disse que se chamava Isabel...
Nisso ele notou que as duas mulheres se olhavam, muito assombradas. E foi a mais moça, justamente a filha da dona da casa, quem perguntou a Roberto:
- Seria aquela? O rapaz olhou para a direção que a pequena apontava. E deu com um quadro pendurado na parte da sala, lá nos fun­dos. Sim, confirmou, a moça do retraio era a mesma que o acompanhara na véspera. Mais surpreendido ficou, então quando viu as duas caírem num pranto convulsivo. Tentou acalmá-las, sem saber bem o que estava se passando. A senhora ao fim de alguns minutos, terminou por explicar-se:
- Aquela réalmente chamava-se Isabel. Era minha filha mais velha. Acontece, porém, que ela morreu há mais de dez anos. Era louca por bailes, a coitadinha ...
O rapaz foi recuando, totalmente assustado. E deu com o número da casa: 122. Aí mesmo, é que não entendeu nada. Falou alto:
- Mas ontem, eu vi, com os meus próprios olhos. Era 42. A senhora, que ainda permanecia à porta, agarrada à filha, explicou:
- ... 42, meu senhor, é o número da campa de Isabel, lá no cemitério.
Foi o bastante. Roberto saiu dali às carreiras, sem mesmo se despedir. Na manhã do dia seguinte, entretanto, a curiosi­dade foi maior e ele resolveu fazer uma visita ao cemitério. E procurou a campa número 42. Lá estava a inscrição: Isabel Camargo. E a data do falecimento, há dez anos atrás. O mais surpreendente, porém, é que, aberta sobre o túmulo, encon­trava-se a sua capa de chuva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário